Uma reserva natural
Por portas entreabertas foste vendo um vulto, cheio de aspirações. Pelas frechas foste observando e convivendo, ganhou forma e cor. Foste farejando e assimilando o cheiro da minha pele, a textura áspera da personalidade, rastreando todos os meus sinais.
Espreitas-te a minha alma, vezes e vezes sem conta. Umas vezes camuflado, sorrateiro, outras vezes destemido. Sempre te deixei a porta entreaberta para que entrasses sempre que quisesses. Nunca tive receio de te mostrar os meus segredos, até os mais obscuros e isso sempre te fascinou, a franqueza, a autenticidade. Não tinha nada a perder.
E foste espreitando, decorando as minhas expressões faciais, sem precisar de falar. Conhecendo-me cada devaneio, dominando a frequência de emissão do meu Eu. Silencioso, estiveste tantas vezes em mim, que, por milagre, te capacitou de amar em largo espectro, do lado iluminado ao mais obscuro.
Apaixonámo-nos inocentemente por cada traço marcado, por cada forma do nosso ser.
Por trás dessa porta há desejo e há amor, até nos detalhes. Por trás dessa porta encontrarás sempre a cumplicidade de quem te quer bem e um corpo quente para te acolher.
Se as almas gémeas existem? Não sei. Prefiro ter-te, tenhas que nome queiram chamar. És de espírito liberto, simples, mostras-te insensível, mas tens os sentidos apurados. Temos uma forma selvagem de amar. Sem cuidados especiais, casta. Com doses definidas de adrenalina, inocência e ignorância.
Juntos, somos uma reserva natural de nós mesmos, onde habitam por inteiro as nossas almas. Selvagens, puras, tanto na dor como na forma de amar. Vivemos o amor em anarquia, vemos exoticidade na igualdade e no caos.
Aqui, ouvimos e sentimos com o coração. As palavras são menos fraudulentas, menos processadas, menos mastigadas. Já sem portas entreabertas.
Aqui, nesta reserva natural, preserva-se a beleza do nosso amor, sabendo que somos um do outro, dentro da liberdade de cada um.
Imagem por: Catarina Alves - Freezememories_