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Tem juízo, Joana!

Entre o certo e o errado, o perdido e o achado, o dito e o não dito, encontros e desencontros, da pequenez à plenitude, entre a moralidade e a indecência. Se tenho juízo? Prefiro perdê-lo…

Entre o certo e o errado, o perdido e o achado, o dito e o não dito, encontros e desencontros, da pequenez à plenitude, entre a moralidade e a indecência. Se tenho juízo? Prefiro perdê-lo…

06
Nov23

Maternidade - 6 SET 2023 -


Olho-te com cuidar, mesmo quando todo o meu cuidar parece pouco. Não te cansas de seres encanto, ainda que chores mais alto que as nuvens lá no céu.

As nuvens também conhecem o choro da mãe. Lágrimas de sacrifício, do que não tem preço afixado. Num par de horas, às vezes menos, com sorte mais, o meu corpo é o teu esteio, aproprias-te dele por tempo ilimitado. E ali, não só o peito, mas toda eu sou tua para a eternidade, tenha ela o tempo que tu decidires…

Alimentar-te, arde… numa dor fina como uma agulha incandescente. Não importa! Neste processo descobri que a minha tolerância à dor é um poço sem fundo. Ou que esta é a minha maior prova de amor por ti!

 

Não te amei logo. Puseram-te no meu colo e eras o calor, a húmidade, uma pele escorregadia. Não sabia quem eras, ainda nem sei bem. Era impossível amar. Eras um peso em cima do meu ventre e o sentimento era de superação, de realização, de alívio…

Fui-te amando, talvez todos os dias um bocadinho mais. Outros dias menos, confesso, sussurrando. Porque eras incompreensível para mim, porque me tornei a tua reclusa num mundo que eu não conhecia, porque és imprevisível e incompatível a grandes planos. Porque, porque, porque… porque eras a razão de me sentir sozinha no calabouço da maternidade.

Dizem que “quando nasce um bebé, nasce uma mãe”, tu nasceste, mas ainda não sei o que nasceu em mim. Se uma mãe, se uma mulher frágil, medrosa, triste e solitária. Se uma Joana insegura, a esbravear à pressa e atrapalhadamente a sua nova profissão de Mãe. Sou, tal como tu, uma recém-nascida à procura de saber quem sou agora.

 

Os dias foram-se preenchendo entre mamadas, trocar fraldas, vaguear pelos corredores para te adormecer. E quando se juntam as complicações, os dias tornam-se piores: mamilos macerados, mamas empedradas, cólicas, longos choros incompreendidos, doenças…

“Tudo passa” passou a ser o meu mantra diário, mesmo quando as dores, os choros meus e teus, parecem nunca mais terminar.

E as noites? Ah! Quando o sol se põe envolvo-me na ansiedade do que será mais uma noite contigo. Se me deixarás descansar mais do que uma hora de cada vez, se vais chorar e tirar-me a vontade de dormir, se vais adormecer instantaneamente ou se a meio da noite vais abrir os olhos e ficar a olhar para mim porque queres conversa.

O despertar é complexo. Visto que acordo sem ter dormido, então não se pode considerar acordar, acho eu. Apropriado seria dizer: levanto-me conforme se levanta o sol num céu de inúmeras possibilidades do que possa vir a ser o dia.

Mas… “tudo passa”…

É duro. E ninguém fala sobre isto. É duro e continua-se a tomar a maternidade como um processo maioritariamente garantido pela mãe. É duro quanto mais exigem que a mãe TEM DE SER capaz, porque “faz parte”,  “é o trabalho dela”, “está-lhe nos genes”, ou “é-lhe natural”. Não é. Nem sempre é. E uma profissão destas, com uma carga horária excessiva, fora todas as tarefas diárias, não devia ser delegada e responsabilizada a uma pessoa só. As expectativas sociais do que DEVE SER um bebé e uma mãe funcionam como um martelo pneumático nos nossos subconscientes quando os comportamentos saem ao lado do que seria expectável.

E eu preciso desta voz para bolçar tudo isto numa ávida golfada!

 

Tive medo, senti aflição, desespero, dor… e, principalmente… solidão. Porque no final dos choros, das rotinas, das fraldas, sou eu que serei o teu alimento, serei eu que quererás sempre. E tem tão de bom como de ambíguo este sentimento - um quentinho no coração versus uma cláusula perpétua cravada à minha liberdade que serás tu.

 

Tal qual como na história, no pé de feijão está o teu pai que tem sido um gigante com a minha débil fragilidade. No cimo do nosso castelo tu és a galinha dos ovos d’ouro dele e ele o mais forte e resistente!

Sei bem o quanto treme por dentro com a minha vulnerabilidade, mas também sei o orgulho que me percorre a pele quando me entrelaça nos seus braços com a força de um sismo para me trazer amparo, segurança e casa. Muita casa.

Ele é a tua paciência, a tua tolerância, a brincadeira louca, o amor à primeira vista.

Eu sou o teu sustento, o teu colo, a tua persistência, por vezes a relutância…

 

O conhecer-te um bocadinho mais todos os dias, traz-me a coragem e o acreditar que serei capaz de cuidar de ti por mais uns tempos (eternamente… até me habituar à ideia) o melhor que posso e o melhor que sei. És exigente… de uma exigência desmedida, larga e densa! Impões-te acima de qualquer outra eventual necessidade, já que só tu importas!

 

Neste caminho, aprendi que a elite da maternidade - todas as mães por esse mundo fora - são o sindicato mais bem organizado e solidário de sempre, que também me foi dando de beber a compreensão do meu desnorte, deram-me colo na solidão e alento no meu desespero. “Tudo passa”, disseram-me elas.

Enquanto mulher foi a sensação de maior união que senti em 34 anos de vida. (Devíamos agarrar-nos a este sentimento das mãos dadas e sermos mais solidárias noutros campos do matriarcado- fica a dica!)

 

Filha, a mãe vai-te amando do seu jeito, todos os dias um bocadinho mais. Vou-te amando no seio do dengo que só eu e tu conhecemos. Vou-te amando nos teus despertares bem-dispostos. Vou-te amando quando choras, implorando aos céus que não sofras mais… Vou-te amando no calor que fica entre o teu corpo e o meu nas madrugadas difíceis.

Vou-te amando quando me consigo encontrar com a tua alma através dos teus olhos arregalados fixos nos meus, até quando franzes o sobrolho à procura de compreensão. Vou-te amando exageradamente quando te vejo dormir serena e a esbanjares beleza. Vou-te amando irracionalmente, por ser inexplicável este sentimento que não sei entender, se não apenas sentir.

 

“Tudo passa” e enquanto vai passando,

A mãe vai-te amando…

 

P.S- deixo o meu puro agradecimento às mulheres da minha vida que não deixam que se me apague o brilho; e, por último, não menos importante, fica o meu eterno e ilimitado agradecimento ao melhor pai que a minha filha podia ter.

29
Out23

• De que é feita a minha seiva? •


O toque na sola dos pés lembra-me de que são feitas as minhas raízes. Evoco a minha ancestralidade. Quero conhecer-lhes os egos e os temperos que se transportam de sangue em sangue, de mão em mão, de terra em terra e de coração em coração. Sou todas as raízes capazes de se sentir, de se ouvir, até mesmo de se cheirar. As raízes que ficam para lá da memória, em gerações quase imortais, que vivem mesmo debaixo da minha pele, debaixo da silhueta da minha alma, fincadas no vasto céu do meu ser.

Genes dos meus genes, sou os resultados dessas tantas histórias cheias de real, de existir, mística, guardados na mãe-terra.

Seremos nós o que sentimos?

Seremos nós a bagagem que carregamos?

Livros saturados de passados, narrativas que contam os viveres das consciências eternas. Anciãs biografias bafientas do decurso estendido nas encostas dos anos. Vestígios abençoados de tudo o que já foi vida.

Seremos nós essa colecção de antepassados?

Ou somos únicos e exclusivos, sem um pingo de existências anteriores?

Teremos oferendas guardadas de cada raiz no baú das origens?

Temos?

Mas afinal… de que é feita a nossa seiva?

Das raízes, de páginas de história, dos sentires… são feitas de idas e vindas de emoções e sustém-se na magnitude das nossas vivências, as que levamos de corpo em corpo.

Hum… de que é feita a nossa seiva?

De volumes, de existires… em nós e nos outros. Dos sangues que se misturaram nos orgasmos gritados nos séculos, das salivas que deram vitalidade aos beijos, aos amassos, aos corpos que se acoplaram para a posteridade. Somos essas massas, essa consciência primitiva.

Somos esse mesclar. Somos todos os progressos das gentes que sentem e das gentes que são. Somos seiva.

Eu sinto. Eu sou.

Sinto as raízes na sola dos pés.

Sou seiva.

De que é feita a minha seiva?

19
Mai23

• Cumprimento •


O coração é um lugar sagrado e o céu o palco da magia. Somos filhos deste ilusionismo, irmãos ligados por essas mesmas raízes da terra, que nutrem o cosmos existente no espaço e nos corpos.
Nas mãos pairam as energias da verdade, caminhamos lado a lado, almas eternas, eternamente. A veracidade é o nosso animal de estimação que, num sopro, se evapora como cinzas na brisa outonal.
O coração é um lugar sagrado e as mãos juntas em prece, iluminam o divino em mim. Forças invisíveis, mas poderosas, produzem uma esfera dourada em meu torno e, num único gesto humilde, com as mãos unidas em frente ao peito, curvo-me para saudar o sagrado que vive em ti. Um movimento célebre que serve de metáfora ao cumprimento mais digno entre seres.
Bálsamo que lava as faces de respeito, para que prossigamos juntos, de mãos dadas às fés que escoam no amor. Somos essências desiguais respeitadas num todo, através de um gesto encorpado desse significado.
Filhos do mundo, de liberdades que atravessam (pre)conceitos, habitantes de uma só pele, um lar, dádiva da vida em comunidade.
E em homenagem ao propósito, seguimos pelos caminhos da libertação, cientes de que a simplicidade é indispensável e a gratidão, o melhor lugar.

04
Mai23

Terreno baldio


Um embaraço, sem saber o que faço, ou se desfaço.
O labirinto é longo, mas a saída é só uma. Embrulhei-me nas vontades, nos quereres presos noutros olhares e perdi-me.
Perdi-me de mim, do outro e de mais alguém.
Que labirinto é este só de uma saída?
Um embaraço, onde me desgraço. Corro, corro e nunca alcanço, palpo tudo e tudo é ranço.
Escorregam-me as mãos pelas lamas da ganância, de hipocrisia besuntaram a minha cara, fede a imoralidade.
Dificuldade.
Dificuldade em tirar a venda dos olhos, meter-me em trabalhos e deflorar velhos folhos.
Descobrir.
São fios de novelos emaranhados, mas que terminam num só. No mesmo.
São corpos, braços, pernas, cabelos, fluídos que se ligam todos. No fim.
É amor, ódio, gentileza, inveja, rancor, generosidade, todos misturados na bebida alcoólica das emoções. Alcoolizadas. As moléculas neurais do sentir, mesmo não sentido.
Suspensos. Os roços das memórias do que vivemos, sem viver.
Ausentes. Industrializados numa sociedade omnipresente, sem estarmos em parte nenhuma.
Hesito, paro. Quem faz um labirinto de uma só saída? Não há escolhas, mudanças nem predileção. Não. Não vou correr, andar ou rastejar. Não sigo a mesma direção.
Hesitei e parei.
Escuto. O som é robótico.
Não quero! Jamais!
Escuto. Tic-tac-tic-tac.
Que labirinto é este tão condicionado?
As unhas estão lascadas, o cabelo espigado. Os meus olhos tornaram-se sensíveis à luz, os lábios ressequidos.
Levanto os olhos e tento espreitar a lua que nasce, em busca de um beijo que me molhe a boca de vontades. Não se veem as andorinhas e o céu está a desvanecer.
As peles tornaram-se acinzentadas, áridas.
A liberdade perdeu a cor.

08
Mar23

Faz um ano


Faz um ano que nasceu uma estrela nos mundos feitos de outras partículas energéticas. No mundo das coisas palpáveis, deixou as carnes, as ossadas e os pertences.
Faz hoje um ano.
Foi a minha primeira volta ao sol de uma dor vazia, mas cheia de recordações, impotente, mas crucial ao crescimento. Podia chamá-la de dor fantasma, oca, também uma constante moinha no peito… não sei, não sei definir melhor.

Estivesses tu aqui e que eu pudesse desfrutar do teu sorriso, do teu cheiro a colo. Doí-me agora a tua transparência… uma dor desabitada… que me impede de te tocar.
Visitas-me nos sonhos, onde tento matar a fome insaciável de te ter comigo, de te sentir.
Queria-te aqui!
Doi-me até lembrar… mas tão pouco me quero esquecer. Do quanto - Noa- o teu perfume, me cheira a casa, a ninho, a amor. Do sabor imbatível do teu bolo de cenoura mal cozido, que me enchia as peles, que só tu as vias. Das palavras que não sabias dizer porque nunca aprendeste a ler, nem escrever, mas também nunca deixaste de te saber exprimir.
Quem te conheceu, sabe da fortuna que falo. Censuravam-te a franqueza, que derrubavas qualquer um num abalo.
Da tua simples e limpa casinha com cheiro a arroz de cabidela. Fazias-lo exclusivamente para nós, com um enorme sorriso, numa enorme panela.
Das tuas mãos ásperas, deformadas do tempo, mas que estavam sempre a tempo de um cafuné.
Sabes é… desta ternura interminável que sinto falta. Da tua voz meio rouca, mas esganiçada como a da mãe. É a tua doce travessura que me faz ir às lágrimas… porque é disso que mais tenho saudades diárias.
Faz um ano, avó. Faz um ano que falamos entre os silêncios. Faz um ano que rezo, só porque acredito que assim me possas ouvir melhor. Faz um ano que aos sábados de manhã, bebemos café e eu conto-te as novidades. Faz um ano que nada vence a dor da tua ausência. Mesmo depois de um ano a sentir-te omnipresente.

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