Não me quero simples
Gostava que fosse simples.
Que pudéssemos abrir as asas…
e voar.
Dar corda aos sapatos,
correr até o vento virar brisa,
abrir a boca,
cantar alto,
arregalar os olhos,
devorar todos os livros do mundo.
Dar o peito.
E amar. Sem fim.
Gostava.
Que fosse simples.
Mas não é.
As minhas asas perderam a impermeabilidade do que é bárbaro.
Já não sei se deixei de voar…
ou se voar… deixou de me querer.
Os sapatos tropeçam no tempo.
E o vento?
Deixei de o sentir há muito pela
correria de tudo
E todos
Menos a minha.
A hipocrisia secou-me as cordas vocais.
Passei a sussurrar,
só pra não dizer o que
tanto
deveriam querer ouvir.
Mas não importa.
Deixou de importar.
Quando os meus olhos só te veem a ti…
E o meu peito
só sabe estar
junto do teu.
Oh, simples…
Houvessem mil livros no mundo que eu quisesse ler…
Tu nunca serias todos eles
A vida não se resume a um voo,
mas a muitos.
Com quedas pelo caminho,
ora ventoso,
ora quente como um deserto árido e seco.
Tu não és o que dizem.
Não és.
Não existes.
Se existisses…
Virias descomplicar as mentes dissimuladas,
simplificar oceanos
de multidões
sedentas de poder,
devolver a calmaria aos gestos violentos,
sarar o afeto
com abraços de compaixão
e empatia,
retornar o som aos ouvidos
de quem já não sabe
o que é escutar.
Mas não vieste.
Nunca coubeste neste (i)mundo.
— Sim!
Fui teu, Simples.
Simples, assim.
Mas foste tu que me inventaste.
Pra te desculpares das salvações que nunca chegaram.
Das culpas que arrumaste nos outros.
Menos no que te vem de dentro.
Sou uma fraude?
Ou és tu?
Eu nunca fui feito pra durar, menina.
Fui invenção da tua criatividade —
bela,
inesperada,
pronta p’ra se procrastinar.
Nada é simples.
Eu não sou nada.
E tu?
Ficas-te com nada nas mãos.
Desarmada.
Sem culpas.
Ou desculpas.
És complicada.
Serás sempre.
Porque eu vivo na natureza —
e enquanto não fizeres parte dela…
nunca
me
entenderás.
— Sou filha de Gaia, Simples!
Simples assim!
A mim, não me venhas tu com essa conversa!
És o resultado da tua própria cobardia,
dessa visão mansa
que os homens usam p’ra fugir de si.
Sou filha de Gaia.
Confronto.
Intuição.
Sangue e sal.
Conectada.
Se nunca te entenderei —
então ninguém
te entenderá.
Violentos, cegos, porcos!
Tens de te misturar,
fazer-te valer,
se não…
pra que serves?
Simples não tem peso,
consistência,
ou sangue.
Viver dói.
Amar,
dói.
A realidade dói.
Porque se sente.
E sentir…
não pode ser simples.
Que verdade tens tu,
se nada sentes?
Eu sou feita de dor e cura.
De raiz
e nuvens.
De sementes
e de noite.
Não me quero simples.
Quero-me inteira.
Com o bonito…
e com as partes feias.
Com os dias em que não sei nada.
Os silêncios pesados.
Os medos que ninguém vê.
Quero-me com toda a complicação que sou.
Ser filha da lama
e da luz.
Não me envergonho do caos.
Só ele me faz crescer.
Eu não quero o simples,
Quero a verdade,
Aquela que sangra
Aquela que salva!
