Retoque na barba, era o último, aquele que fazia a diferença agora que se olhava novamente ao espelho, antes de sair de casa.
Simples, com uma personalidade catedrática, mas amena, vestia-se sempre de preto ou cores sóbrias, apesar de se considerar algo vaidoso. A barba comprida tinha de estar impecavelmente no sítio, penteada, amaciada e cheirosa. Ele não lhe dava descanso, era a sua imagem de marca.
Saiu rumo ao atelier, o seu local sagrado onde guardava e expunha os seus trabalhos. Filho de família pobre, de mãos gastas com rasgos escurecidos pela terra, a mãe era agricultora e o pai lenhador. O irmão seguiu-lhes os passos, ao invés dele que se apaixonou pelas artes. Poeta e pintor, dedicava-se com especial apreço à pintura a óleo e, na poesia, privilegiava a contemporânea.
Era um homem de poucos amigos, não por ser anti-social, não falasse ele que nem um papagaio, mas porque a sua vida foi gatafunhada na tela e escrita em versos.
Passava o tempo adrentado em arte, os dedos sarapintados e as últimas falanges já com calos, ora da caneta, ora do pincel. Por isso, também não procurou o amor noutra pessoa, uma vez que o encontrou nas páginas por escrever e nas telas por pintar. Completava-se assim, em arte.
Não tinha pressa, nem muito menos intenções, de deixar descendência ou a herança de tamanhas conquistas. Acreditava que o seu trabalho deixaria os próprios marcos na história, eternizando pedaços de tinta no branco, mesmo quando o seu corpo se tornasse poeira.