Fui comprar os palitos de la reine, onde me mostraste no Natal passado. Estacionei na estrada de Benfica, gostavas de passear aqui e ver as montras de lingerie, pijamas, atoalhados, etc. Ias devagar, apoiada na tua bengalinha, as pernas punham-se dormentes e o corpo dorido pelo tempo árduo da tua genica interminável.
A cadeira onde te sentaste a descansar, na pastelaria, ainda lá estava, no mesmo sítio. Estava ela, não estavas tu!
Dói recordar… mas também é encantador reviver a lembrança das tuas mãos, de unhas pintadas num tom branco brilhante, postas nos dedos que já não tinham a direção certa, a remexer no porta moedas de pele preto para te certificares de que pagavas a despesa. Era o porta moedas mais organizado que eu alguma vez vira: notas num dos fechos laterais, moedas grandes no do centro e as pequenas ficavam no outro fecho lateral. Dentro tinha sempre um crucifixo que acreditavas dar-te proteção.
Fiz o caminho que me ensinaste até à casa de cafés e pedi à senhora que moesse o teu café de eleição para aquele doce de fazer crescer água na boca.
Senti-te ali comigo, a observares-me para teres a certeza que eu acertava com os sítios certos e cumpria a tua tradição.
Cumpri avó! Cumpri! Haverá doce de palitos de la reine lá em casa.
Só não haverás tu…
Então, decidi fazer-te uma visita. Ou melhor, estar presente naquele pedaço de relva onde enterraram parte das cinzas dos teus restos mortais. Achei que ali poderia ter uma ligação secreta que permitisse a nossa comunicação. Ou melhor, que facilitasse o teu poder de audição.
Não me deixaram entrar!
Da mesma forma que não me deixaram entrar no hospital nos teus últimos dias de vida.
Por hoje, teremos de comunicar como temos feito no último ano, porque, pelos vistos, os mortos também têm hora marcada para visitas.