Todas as personagens têm uma história
O garfo, ela agarrava-o com a ponta dos dedos, numa delicadeza de porcelana. Comia de boca tão fechada que parecia nem respirar, ultimamente andava tão tensa e rígida que chegavam a ficar hirtos, mas arrumadíssimos, os pelos das sobrancelhas.
Escolheu, adivinhem? Uma salada César para o seu almoço entre a correria do seu dia. Não pode engordar! Como se a corrida do dia já não a emagrecesse que bastasse.
— Sandra, desculpe! Deixou cair o guardanapo. — o empregado apanha-o do chão e surpreendeu-se com os pés cruzados e dedos enrolados, como se fossem tímidos, fora dos sapatos altos da mulher que almoça todos os dias ali, e por quem ele nutre um carinho inexplicável. Tão inexplicável que se confundiria com uma paixão assolapada, de quem admira de forma obsessiva e orgulhosa uma mulher que mal conhece.
Quando a encarou com o guardanapo na mão, Sandra estava vermelha de vergonha. Tinha velhos hábitos para sair da pressão do seu trabalho: descalçar-se e prender o cabelo com a sua caneta sempre que comia; colocar os phones com a última chamada de voz da Camila, de há dois anos, em loop durante toda a refeição, não queria esquecer-se da sua voz; e, em forma de reza, perguntava ao universo “O que me resta?”. Estes eram os hábitos, repetidos todos os dias às refeições, sem excepção, desde que a sua noiva assassinada, partira para outra plataforma cósmica de energia.
Pediu um café curto em chávena fria e tirou da mala o seu último processo de acusação contra Luís Façanhas, o assassino mais famoso de Ermesinde e arredores. Há dois anos que Sandra desejava este caso. Calçou os seus saltos vermelhos, levantou-se imponente, num único gole bebeu o seu café, tirou a caneta, soltando o cabelo liso que lhe caia pelos ombros, com o guardanapo enxugou as lágrimas que não chegaram a cair, não podia esborratar a maquilhagem. Ia para o tribunal e tinha de se recompor. Estava obstinada a pôr o vagabundo atrás das grades, por amor à sua falecida noiva.