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Tem juízo, Joana!

Entre o certo e o errado, o perdido e o achado, o dito e o não dito, encontros e desencontros, da pequenez à plenitude, entre a moralidade e a indecência. Se tenho juízo? Prefiro perdê-lo…

Entre o certo e o errado, o perdido e o achado, o dito e o não dito, encontros e desencontros, da pequenez à plenitude, entre a moralidade e a indecência. Se tenho juízo? Prefiro perdê-lo…

27
Jan24

A fortuna das cartas


As cartas guiam destinos, escolhas, caminhos… São o veredicto, a descoberta, uma análise, noutras vezes são apenas… fé.

Ele sentou-se com ar cético, analisei-o assim que passou a cortina para o lado de cá, o lado místico, esotérico. Estávamos os dois desse lado, só que um mais crente que outro.

Porque vens tu homem engravatado? Rolex no punho, sapatos Armani… Será que nem o dinheiro traz certezas? Fortunas não ditam futuros? Claro que não, penso, e o medo da morte bate à porta de todos.

Sem conversas, estendo-lhe o baralho de cartas na mesa redonda, tapada pelo meu lenço lilás com cornucópias - era o lenço da sorte. Ele escolhe meticulosamente cada carta, como se estivesse a escolher as melhores peças de fruta do cesto. Os dedos iam trémulos, apesar do seu semblante confiante e altivo. Seleccionadas as cartas, exponho-as em cruz e pouso as mãos em cima da mesa para me concentrar. Vamos lá, digo e viro rapidamente a primeira carta: o Diabo. Mesmo cético, fica pálido. As cartas têm este poder, assustam, mesmo os não-crentes. Tentações, desejos, sexualidade, digo-lhe. Ele cora, percebo-lhe um embaraço porém, no alto da sua arrogância, diz que tem dois filhos e que não tem problemas desse foro. Ainda com o indicador sobre a maldita carta, olho-o profundamente, deixando-o inquieto. Observa o espaço hesitante e admite ser homossexual, entre dentes, quase de forma imperceptível, acrescenta que não se pode assumir dado o cargo profissional e a família que criou. Eu fico em silêncio, apenas a ouvir a confissão difícil e o ambiente melindroso que ficou no ar…

Segunda carta: o Enforcado.

O homem elegante que tinha entrado minutos antes, estava agora esquálido de medo. Depois desta confissão, o enforcado poderá significar a estagnação, o atraso, acontecimentos estacionados, esclareci. Leva as mãos à cabeça e rodopia a aliança no dedo, pensativo. O enforcado diz-nos também que algo se está a sacrificar e, neste caso em particular, percebe-se o quê.

Continuei para a terceira carta: o Mago.

Notou-se uma réstia de esperança no seu olhar e disse-lhe que indicava o início de algo, uma novidade. Ele fica confuso, abana a cabeça, irónico, lembrando-se do seu ceticismo e porque razão foi ali parar. Muito prontamente rematei com as outras perspectivas que o tarot mostra, atestando a nossa intuição, sabedoria interior, são infinitas as possibilidades, depende de como usará a informação que as cartas lhe trazem, nunca esquecendo que foram uma escolha com as próprias mãos, não as minhas. O indivíduo milionário ficou calado, a olhar o tabuleiro.

Continuei, quarta carta: o Louco. Olhei-o novamente nos olhos e disse que se entendia como uma mudança de rumo, capacidade de se lançar, desprendimento… o pânico ficou claro no rosto do homem de barba feita diariamente. Tinha medo, isso era certo! Medo do seu futuro, do desafio que tinha pela frente. O louco tem um lado negativo, continuei sem ele me pedir, é alguém sem rumo, perdido… e estando esta carta na casa número quatro que está relacionada com as respostas, o que de facto acontecerá, calculo que o que lhe disse primeiramente sobre o Louco dirá tudo. Ele entreolha-me indignado, pareceu-me que não estava à espera deste desfecho quando aqui entrou e colocou a sua nota de duzentos euros em cima da mesa, num gesto sarcástico, com desdém. Não costumo ditar valores, cada pessoa paga aquilo que acha que a sabedoria das cartas merece. Não julgo, nem opino em relação a isso.

Começo a virar a quinta e última carta, esclarecendo que esta seria a síntese da leitura. O homem já a suar agarra as chaves do seu carro, o seu telemóvel, levanta-se num ápice e desaparece pelas cortinas por onde entrou.

Acontece a muitos céticos… penso. Vêm cheios de força e fé neles mesmos, mas depois… o tarot prega-lhes umas partidas.

O medo bate à porta de todos, pensei, enquanto virava a quinta carta, por mera curiosidade: o Ceifador.

10
Jun22

Incerteza


Pus-me a pensar no que se traduziria a maior causa de ansiedade de todo e qualquer comum mortal, e cheguei à conclusão que é, com certeza, a incerteza. O que será pedirmos um prato cheio e comê-lo às cegas? O que será termos de dar um passo num chão movediço?

A incerteza é este frio na barriga quando ansiamos por bons resultados, quando colocamos muita expectativa no futuro. A incerteza é cruel, mas é a que nos faz desfrutar mais do presente, porque o presente, sim, esse é certo.

Difícil isto de sermos agarrados ao futuro, na ansiedade de que tudo corra como planeámos, com pensamentos a mil kilometros-hora que nos colocam uns tempos mais à frente, impedindo-nos de apreciar o aqui e o agora.

Vivemos neste dissabor de querermos que as incertezas se tornem certezas, quando tudo o que é certo… menosprezamos.

Seremos merecedores de um futuro, quando não sabemos viver o presente? É que a vida passa e o futuro, rapidamente, se torna presente e as incertezas, certezas. De que nos vale? Se continuamos a tratar mal o presente com medo das incertezas paridas no futuro?

A incerteza é uma dádiva para o crescimento, para a reflexão, para nos desafiarmos. A incerteza surge para nos deleitarmos com o que é certo, exato e só o é… no agora.

No entanto, preferimos prosseguir assim, entre agoras e depois, entre rodadas de ansiedade e de incertezas, até à última rodada… onde já não há mais futuro por viver e a única certeza foi a morte.

👉🏻publicado também no blog da @Valletibooks- reflexões nº17 (24/04/2022)

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