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Tem juízo, Joana!

Entre o certo e o errado, o perdido e o achado, o dito e o não dito, encontros e desencontros, da pequenez à plenitude, entre a moralidade e a indecência. Se tenho juízo? Prefiro perdê-lo…

Entre o certo e o errado, o perdido e o achado, o dito e o não dito, encontros e desencontros, da pequenez à plenitude, entre a moralidade e a indecência. Se tenho juízo? Prefiro perdê-lo…

17
Jan22

Testei positivo à COVID


A sensação de ver o líquido arroxeado do teste rápido a subir e a deixar um rasto no "T" é perturbadora. Como se, apenas um traço, fosse capaz (e é!) de alterar a tua vida, num derradeiro ápice.

A sensação é equiparada a rasgarem-te as agendas, a puxarem-te o tapete até dares um enorme trambulhão no chão do quarto, o qual estará imediata e maioritariamente de porta fechada, selada e desinfectada.

De um minuto para o outro, com apenas um traço num teste de plástico com ar pouco fiável, és o maior inimigo da humanidade.

 

Depois de me adaptar e atrasar a agenda uma semana para a frente, veem as "perguntinhas":

- Então, mas como é que apanhaste?

De seguida a arrematar, as suposições:

- Mas tens tido cuidado?

- Se calhar tiraste a máscara quando e onde não devias...

E claro, por fim, em tom de pena, as sugestões:

- Toma um cházinho de gengibre e limão, dizem que são anti-inflamatórios.

- Se estás com tosse, o melhor é fazeres chá de cebola...

- Tosse? Faz chá com cravinho!

- Tosse? Existe um medicamento muito bom na fármacia, mas também há aquele remédio caseiro de cenoura.

- Ouve-me lá, Joana, estás a tomar multivitaminicos? Vitamina C? É importante que tomes.

E de repente, tens toda uma plateia de gente a olhar para ti, por um tubinho de ensaio, e a ligar-te todos os dias para saber que "novos" sintomas surgiram, para que isso lhe dê a oportunidade de criarem novas teorias mirabolantes para contar.

E podia continuar aqui... a dar-vos exemplos das minhas chamadas telefónicas actuais, mas... Não só quero aproveitar este tempo para criar, escrever e cuidar de mim, como também quero aproveitar este espaço para agradecer a sorte que tenho. A sorte de não estar a passar assim tão mal, talvez graças à vacina, talvez graças ao meu sistema imunitário ou até mesmo à mera sorte no meio do azar. E, claro, a sorte que tenho de estar rodeada de pessoas que gostam realmente de mim, que se preocupam e que me querem cuidar.

 

03
Jan22

As recordações que ficam


Saiu de casa ainda a vestir o casaco e o cachecol, levava as chaves de casa no dedo mindinho e as do carro no anelar. Na outra mão o café e ao ombro a mala toda escancarada. A casa da Sara era na periferia da cidade, mas a poucos minutos do centro, se não houvesse trânsito.

Tinha tirado folga, deixou-se estar na cama até mais tarde, pois não queria atravessar a cidade cheia de carros enfurecidos.

Ao som de Otis Redding, Sara percorreu o seu caminho, cantarolando. Era a música apropriada ao dia que a fazia recordar, reviver e sentir novamente o conforto outrora sentido.

Estacionou o carro e retirou da mala o seu velho livro de contos infantis. Com o cachecol a prender-lhe os cabelos encaracolados, abraçou o livro no colo e subiu a ladeira. Olhou o grande pinheiro, suspirou e lá se sentou. Fechou os olhos e pousou as mãos na terra húmida. Era um dia triste!

Ao fim de três anos, o sabor ainda era o mesmo. Um gosto azedo melancólico  cheio de saudade, sofrimento e angústia.

Abriu o livro e começou a lê-lo em voz alta, como o Avô lhe fazia desde pequena. Sara sabia de cor todas as histórias, permaneciam-lhe na memória todas as entoações que ele dava às falas, as vozes estranhas que imitavam tartarugas, coelhos e lobos. Mas, Sara recordava, em particular e com maior ternura, as gargalhadas, os beliscões no nariz e os cafunés.

O avô Francisco vivia agora ali, junto àquele pinheiro, onde, durante anos, contou as mais hilariantes histórias à sua neta, que o ouvia com entusiasmo e um brilho especial nos seus olhos verdes esmeralda.

Aquele era um sítio saturado de lembranças, onde Sara, há 3 anos atrás, enterrou as lágrimas e a adaga de coleção do avô. Prometeu-lhe em oração plantar naquele solo húmido uma homenagem à sua existência.

E chorou de saudade. Uma amargura que lhe fazia arder o peito, sobretudo pela despedida efémera de dois minutos no telefone da enfermeira. Graças à COVID, a Sara e ao seu Avô fruíram de um adeus penoso.

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