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Tem juízo, Joana!

Entre o certo e o errado, o perdido e o achado, o dito e o não dito, encontros e desencontros, da pequenez à plenitude, entre a moralidade e a indecência. Se tenho juízo? Prefiro perdê-lo…

Entre o certo e o errado, o perdido e o achado, o dito e o não dito, encontros e desencontros, da pequenez à plenitude, entre a moralidade e a indecência. Se tenho juízo? Prefiro perdê-lo…

22
Fev25

O mundo invertido


Prisão era o seu nome. Ela caminhava incerta pelo mar das algas, onde a escuridão se chamava dia. caminhava e caminhava, até que encontrou uma estrela caída no chão, tocou-lhe com o pé:

— Estrela! De que céu caíste?

— Ahm? — meio entorpecida, sem abrir os olhos — deixa-me! Tira o pé de cima de mim e segue caminho!

Prisão estava pasmada por encontrar estrelas no seu caminho, não era habitual as estrelas caírem durante o dia, apenas de noite, quando o sol se levantava.

— Como vieste aqui parar estrela? — impaciente com os mãos na cintura e a bater o pé no chão — é de dia, está escuro como o branco, branquíssimo e tu caíste de onde?

— Primeiro, diz-me o teu nome!

— Prisão!

— Grrr, o teu pai estava bem ciente do que aí vinha quando te pariu! — comenta com desdém — Prisão… eu desci ontem pelo dia.

— Desceste? Mas tu podes descer quando queres? Pensei que só caíssem por acidente no mar.

— Desci, sim! — levanta-se e sacode o mar dos ouvidos.

Prisão queria saber mais acerca deste mistério. Desapertou as botas e sentou-se junto à onda onde se embrulhou a estrela.

— Descer é algo muito perigoso e exigente. Porque haverias de querer fazer isso? — pergunta a Prisão, intrigada com o que a estrela tinha feito.

— Oh! E achas que eu não sei? Desci para matar uma coisa que me cresce por dentro.

— Matar?!?

— Sim, matar! Ouve Prisão, não me apetece falar. Tenho muito que caminhar, com licença!

Prisão estava curiosa, mas deixou-a ir… ou, pelo menos, fingiu.

Viu-a contornar uma onda e outra, virou à esquerda na esquina de areia. Caminhou e caminhou por entre as casas silenciosas naquele dia longo, enquanto as pessoas ocupavam-se a trabalhar nos seus sonhos.

Subitamente, a estrela pára em frente a uma janela no andar de cima da casa número 51.  Prisão fica um quarteirão atrás a observar tudo. A estrela ficou simplesmente ali, horas e horas, até se fazer noite e o sol nascer. Nessa altura, agarrou nos seus véus e subiu a toda a velocidade para o céu azul turquesa.

Prisão não estava a entender, a estrela não matou ninguém e foi-se embora. Aproximou-se da janela e não viu nada morto. “Como assim veio matar?” — indagou-se, olhou para o céu e gritou a mesma frase que tinha pensado.

— Prisão, matei mais um pouco da saudade! —  responde-lhe a estrela com a emoção na voz.

Ainda confusa com a situação, voltou a olhar pela janela do 51. Prisão conhecia bem a Saudade, vi-a todos os dias com o seu semblante meio triste, meio nostálgica a latejar pelos mares da esperança. Era famosa por estes lados, mas nunca Prisão pensara que também as estrelas a conhecessem. “Matar mais um pouco” refletiu no que a estrela lhe dissera, “não é matar completamente!”, pensou. “Matar mais um pouco”, voltou a repetir, “será tortura?”.

Na janela via-se uma moça a dar mama a um bebé. Prisão ficou ali, parada diante da janela, observando a mulher que embalava o bebé. O silêncio era espesso, pesado como as noites de sol ardente. As palavras da estrela ainda ecoavam na sua cabeça: “Matei mais um pouco da saudade.”

Mas a Saudade não morria assim, morria? Se morresse, não renasceria a cada batida do coração?

Prisão levantou os olhos para o céu, a estrela ainda espreitava, brilhando num azul tão profundo que parecia um oceano invertido.

— Mas tu não a mataste! — gritou.

A estrela sorriu, com um brilho de mistério no olhar.

— Não, Prisão. A saudade nunca morre. Mas cada vez que a visito, ela dói um pouco menos.

Prisão sentiu um arrepio, algo novo a despontar dentro dela. Sempre pensara que tudo o que existia era para ser quebrado, destruído ou encerrado. Mas a estrela não queria apagar a saudade, apenas aprender a viver com ela, a torná-la mais leve.

A mulher dentro da casa beijou a testa do bebé e, por um instante, pareceu olhar diretamente para Prisão. Mas não a via, via apenas algo dentro de si mesma — uma lembrança, um nome, um amor que um dia partira para as estrelas.

A estrela começou a subir mais alto, os véus de luz dançando ao seu redor. Antes de desaparecer por completo, lançou um último brilho para a Prisão e sussurrou:

— Da próxima vez, talvez a mate mais um pouco. Ou talvez, apenas aprenda a amar o que ficou.

E então, como um sopro na noite de sol, desapareceu no céu.

04
Jan24

Um conto infantil


Na cozinha virada do avesso, estava ela a preparar das suas… era o hábito! Acordava, arranjava-se e ia preparar refeições mágicas.

Aquela era a assoalhada com mais artefactos a voar, temperos dançantes, utensílios cantores… uma desarrumação engraçada! Chamavam-na bruxa da cozinha, porque fazia refeições com poções mágicas que resolviam problemas.

Arroz de pato feliz, para dar a quem estivesse triste; Bacalhau à gomes sábio, oferecia sabedoria a quem o degustasse; francesinha marota, fazia rir quem a pusesse na boca; curanzido à portuguesa para curar os enfermos; entre outros…

Cozinhava-os auxiliada pelo fantasma do saco - amigo de infância e funcionário naquela cozinha há mais de 20 anos a assustar temperos.

Certo dia bateu-lhe à porta Aurora, a lagartixa:

— Sra. Bruxa da cozinha, estou perdida! Preciso de uma refeição rica em sei lá o quê para que me possa encontrar! Não sei quem sou! — choramingava a lagartixa, vizinha do segundo direito.

— Querida, não tenho prato que te possa ajudar… — respondeu-lhe a bruxa esfregando o queixo à procura de soluções. — Oh Gustavo! — chamou o fantasma — Como podemos ajudar a Aurora?

O fantasma ficou pasmado com o aspecto triste e sem cor da lagartixa… começou a olhar os temperos da bruxa e gritou:

— Uma mistura de pratos?!

A bruxa, num salto, lembrou-se da receita antiga guardada há gerações no seu livro de receitas mágico! Aproximou-se dele e abriu no separador dourado que nunca deixava ninguém tocar, nem mesmo o Gustavo, por quem sentia enorme amizade.

— Roupa velha… — palreou entre dentes a bruxa — roupa velha…

— O quê? — perguntou o Gustavo, mandando entrar a Aurora para se sentar à mesa.

— O prato mais difícil de fazer e mais antigo de todos os tempos! — cantarolou bruxa.

Num tacho começou a atirar os ingredientes lá para dentro e a cantar orações que ninguém compreendia. Gustavo e Aurora observavam-na surpresos com a genica da velha bruxa.

— Bruxa, mais devagar que ainda te cansas! — pedia o Gustavo preocupado com a sua amiga e patroa. - Mas afinal, que ingredientes mágicos tem a roupa velha?

A bruxa concentrada, foi-lhe respondendo à medida que ia cozinhando:

— Aqui, neste tacho, vou por autoestima aos cubos, um quilo de amor-próprio cozinhado em lume brando, juntamente com tolerância, até deixar lourar… depois… — continua, a tentar lembrar-se do que aprendera em miúda com a sua avó bruxa — depois acompanhamos com quatrocentos e cinquenta gramas de empatia, marinada num litro de compaixão. Ah! E… falta-me… — a bruxa tentava recordar-se — o ingrediente mais importante… é… é… ah! Cá está! Adicionam-se os temperos com uma pitada de fé!

Aurora e o Gustavo observavam-na incrédulos, o cheiro que pairava era fantástico e formava-se um arco-íris por cima do tacho.

Terminado o cozinhado, deu-o de comer à lagartixa. Ela lambuzou-se, repetiu e ainda lambeu a fé que lhe sobrava nos dedos.

Minutos depois, a lagartixa começou a ganhar cor, declamava poesia enquanto agitava a cauda feliz e os olhos brilhavam de amor.

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