Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Tem juízo, Joana!

Entre o certo e o errado, o perdido e o achado, o dito e o não dito, encontros e desencontros, da pequenez à plenitude, entre a moralidade e a indecência. Se tenho juízo? Prefiro perdê-lo…

Entre o certo e o errado, o perdido e o achado, o dito e o não dito, encontros e desencontros, da pequenez à plenitude, entre a moralidade e a indecência. Se tenho juízo? Prefiro perdê-lo…

29
Out23

• De que é feita a minha seiva? •


O toque na sola dos pés lembra-me de que são feitas as minhas raízes. Evoco a minha ancestralidade. Quero conhecer-lhes os egos e os temperos que se transportam de sangue em sangue, de mão em mão, de terra em terra e de coração em coração. Sou todas as raízes capazes de se sentir, de se ouvir, até mesmo de se cheirar. As raízes que ficam para lá da memória, em gerações quase imortais, que vivem mesmo debaixo da minha pele, debaixo da silhueta da minha alma, fincadas no vasto céu do meu ser.

Genes dos meus genes, sou os resultados dessas tantas histórias cheias de real, de existir, mística, guardados na mãe-terra.

Seremos nós o que sentimos?

Seremos nós a bagagem que carregamos?

Livros saturados de passados, narrativas que contam os viveres das consciências eternas. Anciãs biografias bafientas do decurso estendido nas encostas dos anos. Vestígios abençoados de tudo o que já foi vida.

Seremos nós essa colecção de antepassados?

Ou somos únicos e exclusivos, sem um pingo de existências anteriores?

Teremos oferendas guardadas de cada raiz no baú das origens?

Temos?

Mas afinal… de que é feita a nossa seiva?

Das raízes, de páginas de história, dos sentires… são feitas de idas e vindas de emoções e sustém-se na magnitude das nossas vivências, as que levamos de corpo em corpo.

Hum… de que é feita a nossa seiva?

De volumes, de existires… em nós e nos outros. Dos sangues que se misturaram nos orgasmos gritados nos séculos, das salivas que deram vitalidade aos beijos, aos amassos, aos corpos que se acoplaram para a posteridade. Somos essas massas, essa consciência primitiva.

Somos esse mesclar. Somos todos os progressos das gentes que sentem e das gentes que são. Somos seiva.

Eu sinto. Eu sou.

Sinto as raízes na sola dos pés.

Sou seiva.

De que é feita a minha seiva?

04
Mai23

Terreno baldio


Um embaraço, sem saber o que faço, ou se desfaço.
O labirinto é longo, mas a saída é só uma. Embrulhei-me nas vontades, nos quereres presos noutros olhares e perdi-me.
Perdi-me de mim, do outro e de mais alguém.
Que labirinto é este só de uma saída?
Um embaraço, onde me desgraço. Corro, corro e nunca alcanço, palpo tudo e tudo é ranço.
Escorregam-me as mãos pelas lamas da ganância, de hipocrisia besuntaram a minha cara, fede a imoralidade.
Dificuldade.
Dificuldade em tirar a venda dos olhos, meter-me em trabalhos e deflorar velhos folhos.
Descobrir.
São fios de novelos emaranhados, mas que terminam num só. No mesmo.
São corpos, braços, pernas, cabelos, fluídos que se ligam todos. No fim.
É amor, ódio, gentileza, inveja, rancor, generosidade, todos misturados na bebida alcoólica das emoções. Alcoolizadas. As moléculas neurais do sentir, mesmo não sentido.
Suspensos. Os roços das memórias do que vivemos, sem viver.
Ausentes. Industrializados numa sociedade omnipresente, sem estarmos em parte nenhuma.
Hesito, paro. Quem faz um labirinto de uma só saída? Não há escolhas, mudanças nem predileção. Não. Não vou correr, andar ou rastejar. Não sigo a mesma direção.
Hesitei e parei.
Escuto. O som é robótico.
Não quero! Jamais!
Escuto. Tic-tac-tic-tac.
Que labirinto é este tão condicionado?
As unhas estão lascadas, o cabelo espigado. Os meus olhos tornaram-se sensíveis à luz, os lábios ressequidos.
Levanto os olhos e tento espreitar a lua que nasce, em busca de um beijo que me molhe a boca de vontades. Não se veem as andorinhas e o céu está a desvanecer.
As peles tornaram-se acinzentadas, áridas.
A liberdade perdeu a cor.

31
Dez22

A carta para a Joana de 2022


2022 saiu-te da medula óssea. Foste forte, brava, valente! Implicaria ter um mar de folhas se eu te quisesse contar tudo. De certeza que, hoje, já sabes. Então deixa-me renovar os votos contigo, Joana!

E começarei assim:

Sabedoria. Saber-dor-ia. Um saber que nasce na dor. Sábios os que deixam a dor entrar e o saber se acresce.

E o teu ano resume-se a isto.

Estou orgulhosa de ti… sei bem o quanto a dor te lacerou as entranhas. Sei bem o quanto choraste, sangraste, o quanto te custou levantar da cama. Também sei quantas são as saudades que tens dela. Não chores, Joana! Ela anda a passear nas estrelas, a cumprir o seu caminho. E sabes que mais? Não coxeia! E as estrelas iluminam-lhe a face franzida, enquanto abrem alas sempre que ela quer passar.

Haverá estrela mais brilhante que ela? Tenho a certeza que não!

Agridoce seria a palavra ideal para definires o ano. Começou tão ácido, tão envinagrado… sentiste o luto, da pior forma. Sentiste o chão fugir debaixo dos pés, quando o céu se preparava para escurecer.

Mas que valente que foste, Joana!

Tentaste ser justa, nobre e compassiva, quando a razão te pediu para guardares rancor. Não sei onde foste buscar tais habilidades, no entanto, reconheço o quanto te ajudaram a suportar a dor. Uma dor que veio como uma bala perdida no espaço, sem pré-aviso. Destruiu-te, é certo, mas não permitiste que isso te derrubasse.

E no meio de tamanho desmoronamento, nas ruínas do teu coração, o universo decidiu que ainda não tinhas sofrido o suficiente. Levou-te a relíquia mais antiga e valiosa da família. Sentiste um frio gélido, que te queimou os ossos em segundos. Num safanão fulminante a vida certificou-se de que lhe conhecias a brevidade.

No meio daquela escuridão, os teus olhos não se habituaram à falta de luz. Foste brava em pedir ajuda! Foste bela no processo a seguir. Fizeste das mágoas o fertilizante que te obrigou a crescer. Mas crescer doeu… amar doeu, respirar doeu, o tempo doeu. Perder doeu e, acredito, que superar também. Hoje, saberás que a dor faz parte.

Saber-dor-ia.

A dor, para além da sabedoria, traz a vulnerabilidade (tão essencial!) para que, também os outros com os seus saberes, nos possam ajudar!

A vida roubou-te o brilho, mas esqueceu-se que tu és a menina dos mil e um corações!

Despertaste-te para lá do negrume da dor. Que bonita é a luz que trazes agora! Colorida.

Este ano seria um espectro de cores, das mais sombrias às mais alegres e vivas. Viva.

Que te sorria 2023!

 

---------

Um desafio de Ana, a abelha - 52 semanas de de 2022 - uma carta para a pessoa que foste este ano.

12
Dez22

Seu nome é Liberdade


Com o dom da oralidade, aprendi-lhe o valor da expressão. De saber expor o que corre a dentro, sem ferir lá fora.

Considero-me uma sortuda por poder ver de perto os seus processos de evolução e desenvolvimento. Ela sabe ser doce, quando não lhe causam amargo, ela sabe ser empática de uma forma tão real, de ver e sentir através do outro. Ela não só se calça com os sapatos do outro, como ainda veste a roupa, coloca o cérebro e o coração no lugar do dela, para que consiga pensar e olhar através dos corpos que a rodeiam. Aquela empatia que chega a magoar, só para se fazer justa na complexidade dos processos a serem respeitados.

Nos olhos leva a liberdade, a igualdade e a força. Nas mãos, o empenho e a cura.

Acredito que a sua alma já tenha passado vários corpos que lutaram afincadamente por construir um mundo melhor. Se alguma vez passou pela vida animal, certamente, terá sido um cavalo. Aquela alma selvagem, que cavalga por todos os prados, forte, suntuoso, em busca do que lhe serve melhor. Uma vez que a liberdade é o seu maior bem e foi-lhe concedida para ser desfrutada. E, se lha tocam, também se assusta e desata aos coices, porque um cavalo nasce para correr no prado e não para ser encaixotado.

Por trás da sua armadura, que construiu para auto-proteção, enverga um caule de flor delicada. Comove-se tanto com os dissabores, como com a magnanimidade. Nobre, audaz e vulnerável, tal qual um cravo, que, apesar da sua representatividade e valor moral, tem nela todos os medos do mundo.

--------

Uma homenagem a uma Grande Amiga

09
Dez22

A roda da vida


A roda da vida que rola, rolando uma conjeturada esfera sem vértices. Curva, como o tempo que não para. Redonda, como o abundante que a vida é.

A roda que vive na vida, como tudo o que rola ou que se enrola, pelos cenários impostos ou os campos onde é suposto rolar, uma simbiose equidistante entre vários pontos por ela formados.

Um círculo separado em partes, pelas partes que constroem o círculo, escalando a atenção e prioridades, assinalam-se os pontos e sublinham-se as dúvidas.

Foi traçado o panorama integral.

Neste momento da vida, a roda deixou de ser roda, mas rola na perpetuidade de si própria. Um rabisco de vértices com embaraço para rolar. Em partes perdeu o diâmetro, noutras ganhou distância, contudo a consistência permanece, como a gravidade que nos aprisiona ao solo.

Matuto nesta roda tosca que deixou de rolar assim que lhe escangalhei os pontos. É difícil ser-se equilibrado, sem desigualar as distâncias.

Aqui, ao invés de se atraírem, os opostos resolvem-se. Numa relação de interajuda, frente a frente, são o meio para atingir um fim. A boia de salvação um do outro.

Trabalhoso girar rodas em campos que quero estacionar… Então, desenrolo-me com este hieróglifo, porque sei o que devo privilegiar, sendo esfera ou disforme, estes são os meus atuais contornos. E mesmo se parecer absurdo fazer rolar esta vida desmedida, tenciono continuar a empurrar, pois rolando ou deslizando, com certeza deixarei sempre rasto.

———

👉🏻 publicação no #blog da @valletibooks REFLEXÕES Nº 49 04/12/2022.

Mais sobre mim:

Segue-me

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Calendário

Fevereiro 2024

D S T Q Q S S
123
45678910
11121314151617
18192021222324
2526272829

Arquivo

  1. 2024
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2023
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2022
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2021
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2020
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D