Maternidade - 6 SET 2023 -
Olho-te com cuidar, mesmo quando todo o meu cuidar parece pouco. Não te cansas de seres encanto, ainda que chores mais alto que as nuvens lá no céu.
As nuvens também conhecem o choro da mãe. Lágrimas de sacrifício, do que não tem preço afixado. Num par de horas, às vezes menos, com sorte mais, o meu corpo é o teu esteio, aproprias-te dele por tempo ilimitado. E ali, não só o peito, mas toda eu sou tua para a eternidade, tenha ela o tempo que tu decidires…
Alimentar-te, arde… numa dor fina como uma agulha incandescente. Não importa! Neste processo descobri que a minha tolerância à dor é um poço sem fundo. Ou que esta é a minha maior prova de amor por ti!
Não te amei logo. Puseram-te no meu colo e eras o calor, a húmidade, uma pele escorregadia. Não sabia quem eras, ainda nem sei bem. Era impossível amar. Eras um peso em cima do meu ventre e o sentimento era de superação, de realização, de alívio…
Fui-te amando, talvez todos os dias um bocadinho mais. Outros dias menos, confesso, sussurrando. Porque eras incompreensível para mim, porque me tornei a tua reclusa num mundo que eu não conhecia, porque és imprevisível e incompatível a grandes planos. Porque, porque, porque… porque eras a razão de me sentir sozinha no calabouço da maternidade.
Dizem que “quando nasce um bebé, nasce uma mãe”, tu nasceste, mas ainda não sei o que nasceu em mim. Se uma mãe, se uma mulher frágil, medrosa, triste e solitária. Se uma Joana insegura, a esbravear à pressa e atrapalhadamente a sua nova profissão de Mãe. Sou, tal como tu, uma recém-nascida à procura de saber quem sou agora.
Os dias foram-se preenchendo entre mamadas, trocar fraldas, vaguear pelos corredores para te adormecer. E quando se juntam as complicações, os dias tornam-se piores: mamilos macerados, mamas empedradas, cólicas, longos choros incompreendidos, doenças…
“Tudo passa” passou a ser o meu mantra diário, mesmo quando as dores, os choros meus e teus, parecem nunca mais terminar.
E as noites? Ah! Quando o sol se põe envolvo-me na ansiedade do que será mais uma noite contigo. Se me deixarás descansar mais do que uma hora de cada vez, se vais chorar e tirar-me a vontade de dormir, se vais adormecer instantaneamente ou se a meio da noite vais abrir os olhos e ficar a olhar para mim porque queres conversa.
O despertar é complexo. Visto que acordo sem ter dormido, então não se pode considerar acordar, acho eu. Apropriado seria dizer: levanto-me conforme se levanta o sol num céu de inúmeras possibilidades do que possa vir a ser o dia.
Mas… “tudo passa”…
É duro. E ninguém fala sobre isto. É duro e continua-se a tomar a maternidade como um processo maioritariamente garantido pela mãe. É duro quanto mais exigem que a mãe TEM DE SER capaz, porque “faz parte”, “é o trabalho dela”, “está-lhe nos genes”, ou “é-lhe natural”. Não é. Nem sempre é. E uma profissão destas, com uma carga horária excessiva, fora todas as tarefas diárias, não devia ser delegada e responsabilizada a uma pessoa só. As expectativas sociais do que DEVE SER um bebé e uma mãe funcionam como um martelo pneumático nos nossos subconscientes quando os comportamentos saem ao lado do que seria expectável.
E eu preciso desta voz para bolçar tudo isto numa ávida golfada!
Tive medo, senti aflição, desespero, dor… e, principalmente… solidão. Porque no final dos choros, das rotinas, das fraldas, sou eu que serei o teu alimento, serei eu que quererás sempre. E tem tão de bom como de ambíguo este sentimento - um quentinho no coração versus uma cláusula perpétua cravada à minha liberdade que serás tu.
Tal qual como na história, no pé de feijão está o teu pai que tem sido um gigante com a minha débil fragilidade. No cimo do nosso castelo tu és a galinha dos ovos d’ouro dele e ele o mais forte e resistente!
Sei bem o quanto treme por dentro com a minha vulnerabilidade, mas também sei o orgulho que me percorre a pele quando me entrelaça nos seus braços com a força de um sismo para me trazer amparo, segurança e casa. Muita casa.
Ele é a tua paciência, a tua tolerância, a brincadeira louca, o amor à primeira vista.
Eu sou o teu sustento, o teu colo, a tua persistência, por vezes a relutância…
O conhecer-te um bocadinho mais todos os dias, traz-me a coragem e o acreditar que serei capaz de cuidar de ti por mais uns tempos (eternamente… até me habituar à ideia) o melhor que posso e o melhor que sei. És exigente… de uma exigência desmedida, larga e densa! Impões-te acima de qualquer outra eventual necessidade, já que só tu importas!
Neste caminho, aprendi que a elite da maternidade - todas as mães por esse mundo fora - são o sindicato mais bem organizado e solidário de sempre, que também me foi dando de beber a compreensão do meu desnorte, deram-me colo na solidão e alento no meu desespero. “Tudo passa”, disseram-me elas.
Enquanto mulher foi a sensação de maior união que senti em 34 anos de vida. (Devíamos agarrar-nos a este sentimento das mãos dadas e sermos mais solidárias noutros campos do matriarcado- fica a dica!)
Filha, a mãe vai-te amando do seu jeito, todos os dias um bocadinho mais. Vou-te amando no seio do dengo que só eu e tu conhecemos. Vou-te amando nos teus despertares bem-dispostos. Vou-te amando quando choras, implorando aos céus que não sofras mais… Vou-te amando no calor que fica entre o teu corpo e o meu nas madrugadas difíceis.
Vou-te amando quando me consigo encontrar com a tua alma através dos teus olhos arregalados fixos nos meus, até quando franzes o sobrolho à procura de compreensão. Vou-te amando exageradamente quando te vejo dormir serena e a esbanjares beleza. Vou-te amando irracionalmente, por ser inexplicável este sentimento que não sei entender, se não apenas sentir.
“Tudo passa” e enquanto vai passando,
A mãe vai-te amando…
P.S- deixo o meu puro agradecimento às mulheres da minha vida que não deixam que se me apague o brilho; e, por último, não menos importante, fica o meu eterno e ilimitado agradecimento ao melhor pai que a minha filha podia ter.