Insulto perverso
Era vapor que te saía pelos poros, sentias o pulsar do coração na garganta, contraía-se todo o corpo, como se a impulsionar o sabor a fel até à tua boca. Com os maxilares solidamente cerrados e a visão a fazer-se turva a cada pico de adrenalina, deixaste-te cegar pela raiva.
Uma fúria escusada que nasceu na impotência de querer mudar as pessoas e o mundo. Não consegues! Entende de uma vez por todas, nem todos trajam o mesmo coração que tu. Exactamente por existirem tantas insuficiências nos corações que palpitam por aí, não deixes que brinquem com o teu. Não deixes que o peguem, suguem-lhe a água benta corrente no sangue e o pontapeiem como se ele resistisse, golpe após golpe, esquecendo o amor que lhe beberam.
Deixaste-te prostrar perante uma situação de injustiça, de ingratidão. Atropelaram-te, com espantoso descaramento, a compaixão, a gentileza, a generosidade. Insultaram-te o humanitarismo como quem te esbofeteia a estima.
Um descontrolo visceral manifestado num firme autodomínio, alienígena da língua habitualmente aguçada e bárbara, com um minucioso distanciamento da alma selvagem e impulsiva onde costumas morar.
Torna-se doloroso aprender assim. Não dissipes essa energia dourada com quem é daltónico, tão-pouco serão capazes de distinguir o arco-íris que pinta o teu amor.
Mas isto não te define, não és este dilatar enfurecedor prestes a eclodir. És arte, és as pessoas que amas, e, de mais a mais, és a razão dessa reciprocidade.
Imagem por Jan Koppriva, em pexels.com