Em dias de pandemia
Fazemos contas à vida, aos dias, ao dinheiro, ao tempo.
Nunca o relógio foi tão nosso inimigo.
Mantemos rotinas, tentamos manter a sanidade mental, fazemos por nos sentir uteis.
Em tempos de guerra, não se limpam as armas.
Ficamos todos resumidos à nossa insignificância, tentando lutar com as armas que nos são dadas. São poucas ou nenhumas.
Mantemos também a fé, a que nunca morre, que tudo vai ficar bem. Vemos as notícias e, rapidamente, tudo se desvanece.
Rezamos aos céus por um governo com mais tomates e recursos para garantir a nossa segurança. Rezamos por um sistema mais rápido em respostas. Rezamos para que tudo não passe de um sonho. Ou um pesadelo.
Despedimo-nos com um até já, que se prolonga no tempo. Aos nossos familiares e amigos.
Um até já que começa a criar feridas no coração. Saudade.
É um acumular de loiça na cozinha, o sofá já não pode ver o nosso rabo, as séries já não nos saciam, as videochamadas que já nos dão vontade de chorar.
As mãos já estão ressequidas de tanto serem lavadas. O álcool passa a ser para consumir e não para desinfectar.
Ir às compras assemelha-se a um campo de guerra. Fugimos uns dos outros, nem sentimos a textura das maçãs, das luvas que levamos vestidas. Aquela falsa segurança do plástico entre os nossos dedos e as coisas ou do bafo quente que exalamos pela máscara.
Nem nos damos conta que a segurança está em sermos higienicamente responsáveis. Só que não! Preferimos usar luvas e mascaras para mascarar a segurança de que tanto precisamos, neste momento. Não condeno! Tornámo-nos seres consumistas.
Pedimos misericórdia à economia. Voltamos a rezar para não sermos despedidos. Afinal, continuamos a ter as mesmas contas para pagar.
Iniciamos novas experiências, novas práticas, só para nos distrairmos e mantermo-nos sãos. Mas não deixamos de ser cobaias da natureza e do universo.
Já nem sabemos em que dia estamos.
E, hoje é sexta.
Já nem tem o mesmo gosto.
Imagem por: Catarina Alves - Freeze Memories